Um espaço para reflexão sobre o teatro infanto-juvenil

Conteúdo Atualizado Semanalmente



sábado, julho 05, 2008


 

O TEXTO TEATRAL



por carlos augusto nazareth




O TEXTO TEATRAL NA FORMAÇÃO DO LEITOR
O TEXTO TETRAL COMO FORMADOR DE PLATÉIA
Introdução

A promoção da leitura cuida de maneira sistemática e de certa forma eficiente, dentro da realidade brasileira, da leitura do gênero narrativo.
Os parâmetros curriculares pedem que o aluno tenha contato com os diversos tipos de texto - de publicidade, quadrinhos, além dos diversos gêneros – poesia, conto, crônica, romance e literatura dramática.
No entanto de todas estas vertentes a que menos se trabalha, por razões inúmeras, é a literatura dramática.
Em primeiro lugar, o teatro não tem no Brasil, em termos da população em geral, o teatro como uma expressão artística popular. A grande maioria do brasileiro, não é apreciadora do teatro, não freqüenta teatro.
Teatro, esta arte eminentemente popular, desde os gregos, passando por Shakeaspeare é vista como uma arte da elite intelectual para a elite consumidora. Sacralizado, visto como uma expressão artística voltada para a intelectualidade, para um público de elite e elitista.
Estes são os primeiros conceitos a serem mudados, pois, na verdade, geram preconceito em relação a uma expressão de origem eminentemente popular.
Um dos muitos caminhos em busca desta aproximação do povo em geral do teatro é através da leitura do texto teatral. E esta atividade oferecida aos alunos tanto da rede municipal quanto da rede pública pode, a médio e longo prazo, minimizar esta questão e esta ação associada a inúmeras outras pode colocar o teatro como agente de educação na formação integral do indivíduo, de forma mais assertiva.

O TEXTO TEATRAL na formação do leitor
Desenvolvimento


Como vimos, portanto, o texto teatral não faz parte do universo do leitor brasileiro. Verificamos esta realidade muito mais acentuada quando o foco é o âmbito escolar. Normalmente o texto teatral é tomado como algo que apenas interessa às pessoas de teatro e que visa, unicamente, a montagem teatral.
Esta questão tem suscitado uma profícua discussão sobre suas possibilidades enquanto meio de ampliação das habilidades de leitura.

“Os professores que estão atuando em escolas públicas e particulares no Brasil, ao oferecerem gêneros textuais a seus alunos como o objetivo que possam construir o significado dos textos, num processo de recepção singular, se considerados os referenciais dos leitores e a busca do contexto e dar referências do autor, têm deixado de lado nesse processo o texto dramatúrgico, o texto teatral (RÖSING, 2005)

Os Parâmetros Curriculares Nacionais: língua portuguesa recomendam a diversidade de textos, assinalando o texto teatral, tanto no ensino de primeira a quarta série como no ensino de quinta a oitava série e no ensino médio - como forma de ampliação das possibilidades de leitura do mundo.
No entanto, a preferência pelo gênero narrativo é quase absoluta, com um pequeno espaço pra o texto lírico e uma total escassez de atividades e metodologias em torno do texto dramático.
Embora previstos nos programas é sabido que as escolas, nos diversos níveis de ensino não promovem o contato previsto entre aluno e texto teatral.

“a criança aprende poesia e prosa, mas a dramaturgia nunca foi pensada e lhe é negada” ( BARCELOS, 1975)

“a escola está negligenciando a formação de outra categoria de leitores aqueles capazes de interagir com a arte dramática, seja como público receptor de espetáculos teatrais, seja como aprendizes ou praticantes de atividades que envolvem o texto teatral e a arte dramática. Assim, no nosso entender, um único equívoco – a negação da leitura do texto dramático – apresenta duas conseqüências negativas: o afastamento do leitor do texto dramático impresso e da arte dramática, para a qual o texto é elemento fundamental.” ( GRAZIOLI, 2007)

A partir do comentário de Grazioli podemos acrescentar que a leitura do texto dramático é uma forma sim de aproximar o leitor do teatro. O texto dramático é o único elemento permanente da representação teatral, já que o espetáculo teatral é efêmero – dura o tempo de uma apresentação e não se repete.
O texto teatral, considerado uma obra de Arte intermediária, que só se completa no palco, também se completa, no imaginário do leitor.
“É um texto grávido de um espetáculo teatral” (SANT’ANNA, 1996) e sua leitura inicia com naturalidade o leitor na transcodificação de uma obra de arte, numa linguagem, em outra linguagem – a arte literária em arte teatral. Esta “gravidez” de que fala Catarina Sant’Anna, como já dissemos, não se completa só necessariamente no palco, mas também pode se completar no imaginário do leitor.
Assim acontece com um diretor de espetáculo, que pela prática, “vê” seu espetáculos teatral através da leitura do texto dramático. Ali estão todas as linguagens que um espetáculo teatral contém, como que condensadas. Cabe ao leitor, com a prática ir “descobrindo”e “revelando” todas estas linguagens contidas num texto dramático, o que lhe permite a visualização de um espetáculo completo, em seu imaginário. Se tivermos cem leitores teremos cem espetáculos diferentes, portanto, cada leitor cria o seu próprio espetáculo virtual em um espaço virtual.

A estrutura do texto dramático

Uma das diferenças fundamentais entre o texto narrativo e o texto dramático é que o texto narrativo CONTA uma história enquanto o texto dramático MOSTRA uma história. Esta diferença se fortifica pela ausência do narrador no texto dramático.
Evidentemente o texto narrativo é lacunoso, no sentido de permitir dialogicamente a interação entre leitor e texto, no entanto o texto dramático, pela sua estrutura e pela ausência do narrador é, certamente, mais lacunoso que o texto narrativo, permitindo ao leitor uma ação mais efetiva como co-autor do texto, que o leitor do texto narrativo.
A ausência do narrador é uma característica do texto dramático, mas também sua estrutura, a partir daí se altera, pois, na ausência do narrador, o texto dramático reproduz em discurso direto as falas dos personagens. Estas falas têm função dramática, pois criam uma ação dramática. Têm um objetivo, um fim determinado e através dos diálogos revelam os personagens, suas características, maneiras de agir e de ser.
Além disto, outra diferença fundamental entre o texto narrativo e o texto dramático é a sua construção em dois níveis. Um, constituído pelas falas dos personagens e o outro pelas rubricas ou didascálias que nos dão informação sobre movimentação da cena redigida, do clima da cena, do estado do personagem e seu caráter.
Portanto estas diferenças e peculiaridades têm que ser mostradas ao leitor, para que ele possa entender a história e fazer esta transcodificação “vendo” a cena em seu imaginário, sem necessidade de um palco real, pois um palco imaginário, um espaço imaginário, com movimentação, cenário, figurinos vai se formando como um quadro, pois o texto fornece elementos que lhe possibilitam visualizar a história, “ver” a história, por isso dizemos que o texto dramático MOSTRA.
De alguma forma esta maneira da palavra ser responsável pela criação de imagens visuais, proporcionar a visualização da cena – presente ali e agora - ocorre no rádio-teatro e na contação de histórias.
O objetivo central é capacitar o leitor a interagir com o texto teatral em sua versão impressa e, consequentemente, com a atividade dramática que se projeta, a partir do texto. Assim transitamos, através do texto, pelas Artes Cênicas, pela literatura dramática e pela leitura – em seu sentido mais amplo.
O texto teatral é concebido pelos dramaturgos com um destino predeterminado: projetar o espetáculo cênico. Desse modo, se os gêneros lírico e narrativo não carregam diretamente essa sina, o dramático nasce contendo certos elementos estruturais e estéticos que possibilitam a encenação.



A ativação da imaginação através da leitura do texto teatral

Exatamente por isso a ativação da imaginação, provocada pelo texto dramático, se diferencia na forma de ativação provocada pelo texto narrativo; assim como também pelo texto lírico. Cada gênero ativa de forma diferenciada a imaginação. O lírico ativa o “eu” e os diversos sentimentos do eu, trabalhando sobre a emoção, o texto épico ativa a capacidade de ouvir e entender uma história contada, relacionando seus elementos e observando a condução do enredo – a história é o foco. O texto dramático ativa a capacidade de visualizar a cena da história, a forma como aconteceu; resgata a história e o sentimento da história, seja para o espectador, seja para os leitores.
O método Waldorf de pedagogia fala desta questão, no seu processo de ensino-aprendizagem criado pelo filósofo Steiner.

“A habilidade na leitura requer muito mais do que parece à primeira vista.
As pessoas geralmente concebem a leitura como a habilidade em reconhecer a configuração de letras dispostas numa página e em pronunciar as palavras e frases nelas representadas
Claramente, a leitura é muito mais do que isso que nos acostumamos a ver! Além do processo superficial de decodificar palavras em uma página, há ainda a correspondente atividade interior a ser cultivada para que uma verdadeira leitura possa ocorrer. Os professores Waldorf chamam esta atividade de "vivenciando a história". (Rudolf Steiner)
Quando uma criança está vivenciando uma história, ela forma cenas da sua imaginação no seu interior, em resposta às palavras. Através da habilidade de formar
imagens mentais, de compreender, a criança vê sentido na atividade de leitura.
Sem esta habilidade, a criança pode muito bem decodificar as palavras em uma folha de pape,l mas continuará sendo funcionalmente iletrada. Daí a importância da atividade interior da leitura - a habilidade de compreensão na leitura
É muito difícil dar aulas a alunos de quinta ou sexta séries que tenham dificuldades com compreensão da leitura, com a construção de imagens mentais. Esta capacidade interior parece nunca ter se desenvolvido neles. Por outro lado, crianças do jardim de infância e das primeiras séries, se deixadas desimpedidas, permanecem naturalmente ocupadas desenvolvendo, interiormente, cenas imaginativas. Estas crianças adoram ouvir histórias e, verdadeiramente, vivem no reino visual da imaginação. A criança “joga” naturalmente, visualiza, vivencia, faz a leitura viva, mas, aos poucos, com o “adestramento” para uma boa leitura que recebe acaba perdendo esta faculdade de visualizar e construir imagens o que permite uma compreensão integral do texto, daí a importância da leitura do texto teatral que pode claramente exercitar esta capacidade nata de visualizção através da imaginação, nata na criança pequena e que vai se perdendo ao longo de sua escolarização.”
Massaud Moisés articula ao texto teatral um componente fundamental da leitura: a imaginação e como já vimos anteriormente volta a falar das diversas formas de ativação da imaginação, desempenhada por cada um dos gêneros.
“De fato a leitura implica um exercício de imaginação que se torna mais intenso, quando relacionado à literatura. Cada gênero estabelece uma relação diferenciada entre leitura e imaginação. A lírica afetaria diretamente a emoção do leitor, que parte, em seguida, para a associação de idéias, do que resulta a criação de imagens e sensações. A narrativa promove a relação do leitor com o protagonista, com o desenvolvimento do enredo. O leitor de teatro, falho de recursos como dissertação, narração e descrição, vê-se obrigado a movimentar todas as turbinas de sua imaginação, sob pena de permanecer impermeável ao texto. ( MOISÉS, 1969)
O texto teatral apresenta aqui e agora um fato ocorrido na realidade ou ficção em qualquer época, em qualquer local. Uma cena, que poderíamos chamar de uma unidade do drama, que tem um clima e uma função dentro da história, e que abriga personagens, também que têm um estado e uma função dentro do drama. Este estado de tensão emocional que acompanha o texto é resgatado pelo espectador, vivenciando a cena como se a houvesse presenciado, mas este potencial de tensão dramática pode ser recuperado também pelo leitor do texto, do mesmo modo que o é pelo espectador da encenação.
“Portanto podemos afirmar que a leitura do texto teatral, em relação aos outros gêneros é um exercício de imaginação vital, pois a natureza do gênero dramático atribui-lhe uma particularidade, a qual associa a possibilidade de encenação às possibilidades de interpretação do sujeito leitor. O fato de essa possibilidade estar latente, gritante em sua composição, exige que sua leitura “dê conta” de atualizar mentalmente toda a narrativa e imaginá-la, devendo o leitor apostar nessa faculdade humana para realizar uma leitura significativa do texto teatral.” (MOISÉS, 1969)



A estrutura do texto teatral – a fábula e os diálogos, a ação dramática, as rubricas

Como já vimos o texto teatral se compõe em dois níveis, um nível é o dos diálogos que levam a ação adiante, e pra isso têm que ter ação dramática, ou seja produzir efeitos e conseqüências, sob pena de ser considerado excesso, ou como se diz em linguagem comum dentro do âmbito profissional do teatro - “gorduras” – no sentido de excessos.
“ ... é pois graças ao diálogo que a ação dramática caminha, ao mesmo tempo em que se torna compreensível através da exposição e objetivos que a constituem. “ (VASCONCELOS, Dicionário de teatro, pág. 89)
A ação constitui o elemento nucelar do teatro e sua importância está expressa na própria palavra “drama”, que, em grego, significa ação.
Paralelamente ao diálogo que, na verdade, conduz a fábula adiante, temos as rubricas. E há uma grande discussão sobre a importância maior do diálogo ou da rubrica.
A nosso ver é evidente que o diálogo é que conduz a ação dramática, que leva a fábula adiante - é o cerne do texto teatral. A rubrica entra como fator auxiliar e na verdade muitas vezes apenas como a “voz” do autor sobre o comportamento de seus personagens ou suas ações ou estados.
Na verdade a rubrica tem o foco voltado para a encenação, tanto que didaskalias, em grego antigo pode significar instrução pura e simplesmente, ou num sentido mais preciso, instruções dadas pelo poeta dramático aos atores. Pode ser também o ato de treinar ou ensaiar o coro.
Na verdade hoje, as rubricas estão cada vez menos presentes nos textos teatrais, quanto mais se toma o texto como explicitador em si mesmo, das situações, dos estados dos personagens, das intenções.
“Estudar” um texto é exatamente descobrir todas estas intenções que na verdade passam a ser do personagem assim que o autor coloca seu ponto final no texto.
E assim sendo, as rubricas se tornam cada vez menos presentes e em menor quantidade, pois a obra permite uma leitura múltipla – cada leitor constrói sua própria história, seu próprio espetáculo – é a interação e o dialogismo entre a obra e receptor, tornando o texto teatral cada vez mais completo em si mesmo.
Diálogos contêm ação dramática informam sobre a progressão da história e sobre todas as outras linguagens e elementos que estão no texto e daí é que serão transpostos para a encenação, ou não.
Hoje temos a dramaturgia do texto, a dramaturgia da direção, a dramaturgia do ator, a dramaturgia do corpo, ou seja, leituras e estruturas diversas que sustentam estas linguagens e se interligam para criar o espetáculo, cuja “semente” é o texto, que conte TODAS as informações necessárias para uma realização real ou virtual da encenação..
É bom lembrar que as rubricas não são manifestação de uma modalidade de narrador; que não se manifesta no texto teatral como uma voz estruturante e organizadora da ação, como ocorre na narrativa .


# postado por Carlos Augusto Nazareth @ 1:28 PM 8 Comentários
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